(não sei a idade desta relíquia, mas vou tentar saber)
Nasci numa família humilde, proveniente do baixo Alentejo onde os mais velhos se dedicavam à agricultura e as mulheres à única atividade existente na região para além do trabalho no campo - a costura. A minha avó materna costurava, a minha mãe e a minha tia aprenderam a mesma arte com ela e já a entrar na fase adulta especializaram-se com um curso de costura. O próprio sogro da minha tia era Alfaiate e dedicou a vida a fazer fatos por medida. Toda a vida as máquinas, os botões, as agulhas, os cones de linhas, os moldes, a fita métrica, o giz para marcar o corte e as tesouras fizeram parte de mim. Não tenho dúvida alguma de que a minha vontade de estar constantemente a criar algo, a escrever, a fotografar ou a fazer DIY´s provém dai. Quando era pequena aproveitava as sobras de tecido para fazer saias e tops para as Barbies e pregava-lhes botões no meio para enfeitar.
E, se por um lado a figura do Alfaiate sempre foi vista como uma profissão nobre, dirigida a nichos e bem paga, a figura da costureira esteve sempre mais à margem e ainda hoje é encarada como a da empregada fabril e modesta que não teve sorte na vida. Mas todos temos vaidade e todos compramos roupa feita por estas artistas invisíveis. Cada uma das mulheres
batalhadoras que me educaram virou-se com melhor que sabia fazer e de acordo
com as oportunidades que foram surgindo. Nunca passamos dificuldades, nunca fomos
pobres, mas também nunca fomos ricos. Uma coisa é certa, não venho de um berço de ouro, mas tive uma educação de ouro. E, se há área que conheço por dentro e
sei que é subvalorizada é exatamente a da costura, poucas sabem fazer bem,
poucas seguem hoje em dia essa arte de criar de raiz ou de fazer arranjos e
mesmo quando havia muita mão de obra, era mal paga. Acompanhei anos a fio a
vida da minha mãe em fábricas de costura a produzir peças de raiz aos magodes para
boas marcas por preços unitários tão baixos quanto um café hoje em dia.
Mais tarde e já com maior perceção das coisas, recordo-me muito bem de ver a minha mãe, que atualmente trabalha numa loja de arranjos e com melhores condições (é curioso, as pessoas pagam mais por um arranjo do que uma costureira fábril recebe por fazer uma peça), a fazer peças inteiras por uns míseros 250 escudos. Calças com vinco, blazers com pregas, vestidos com feitio, saias, com forro, sem forro, com botões, com etiquetas, com passagem a ferro, a terem um custo unitário muito pouco justo para a mão de obra envolvida. É uma economia que exige produção em massa e muitas vezes horas extraordinárias para gerar lucro. E em nada justa. Durante os primeiros anos da minha infância a minha mãe trabalhou numa fábrica onde tinha 2 minutos contados para ir à casa de banho sob o olhar atento e implacável da chefe de produção. Uma condição impensável hoje em dia, ou não, visto que ainda em 2013 o edifício Rana Plaza no Banglash colapcou e causou a morte de 1.138 pessoas e 2.500 feridos, tornando-se o quarto maior desastre industrial da história. Ou seja, um total de 3.638 pessoas que trabalhavam em condições precárias de produção.
Mais tarde e já com maior perceção das coisas, recordo-me muito bem de ver a minha mãe, que atualmente trabalha numa loja de arranjos e com melhores condições (é curioso, as pessoas pagam mais por um arranjo do que uma costureira fábril recebe por fazer uma peça), a fazer peças inteiras por uns míseros 250 escudos. Calças com vinco, blazers com pregas, vestidos com feitio, saias, com forro, sem forro, com botões, com etiquetas, com passagem a ferro, a terem um custo unitário muito pouco justo para a mão de obra envolvida. É uma economia que exige produção em massa e muitas vezes horas extraordinárias para gerar lucro. E em nada justa. Durante os primeiros anos da minha infância a minha mãe trabalhou numa fábrica onde tinha 2 minutos contados para ir à casa de banho sob o olhar atento e implacável da chefe de produção. Uma condição impensável hoje em dia, ou não, visto que ainda em 2013 o edifício Rana Plaza no Banglash colapcou e causou a morte de 1.138 pessoas e 2.500 feridos, tornando-se o quarto maior desastre industrial da história. Ou seja, um total de 3.638 pessoas que trabalhavam em condições precárias de produção.
Antes de ir para o Alentejo vi
uma notícia sobre a Fashion Revolution Week, que está a decorrer em Portugal
até dia 24, e enquanto vasculhava as coisas antigas da minha avó, como a
máquina Singer da primeira foto, ou a maleta da marca Oliva que encontrei cheia
de cartas da adolescência da minha mãe e tia, dei por mim a refletir sobre o
quão desajustada é a industria da moda. Todos queremos comprar bom e barato, e
contra mim falo, ando sempre à procura de boas escolhas, e quase nunca nos
preocupamos em perceber o processo de produção embora todos saibamos que existe
exploração por trás. Esta tomada de consciência é ainda mais grave no meu caso
pois acompanhei de perto como funcionam alguns processos de produção e talvez
por isso viva num paralelismo sempre que vou às compras 1º acho as peças caras
tendo em conta que sei que o custo de produção é mísero, 2º sei notar bem
quando as peças estão mal finalizadas e 3º compro quase sempre o mais em conta
tendo em conta a primeira premissa, mas essa decisão pode estar longe de ser a
mais justa a nível global. Ou seja, se é mais barato para mim é porque a marca
está a lucrar o mesmo que as restantes e talvez implique um processo de
produção ainda mais mal pago.
A Fashion Revolution Week que desconhecia
até agora, mas que não é novidade e já vai na terceira edição nacional, tem
como objetivo sensibilizar o sistema da moda para uma maior proteção das economias
locais e dignidade dos seus trabalhadores. Uma das formas em que podemos contribuir
para melhorar este ecossistema é apenas com a exigência da transparência no processo de
fabrico, da mesma forma como gostamos de saber que o leite que bebemos vem de
uma fábrica que cumpre as normas de higiene e segurança, também nos devemos
tornar mais exigentes com a origem da cadeia produtiva das nossas roupas. A verdade é que as marcas já estão a trabalhar nesse sentido fruto de consumidores mais informados, e sem dúvida que “saber quem faz as nossas roupas e qual a sua origem é o
primeiro passo” para tornar a indústria mais honesta e humanitariamente justa.
Fotos: Canon M10
Fotos: Canon M10
